Meeusen propõe uma análise exaustiva do tratado Quaestiones naturales/Αἰτίαι φυσικαί (QN) de Plutarco, abordando questões de carácter mais filológico e outras mais relacionadas com a contextualização cultural e social. O facto de o A. conhecer muito bem o texto das QN, como prova a sua colaboração na edição, em 2018, pela Les Belles-Lettres e a publicação de vários artigos, bem como o domínio do corpus plutarcheum, tornam esta obra uma leitura muito interessante e enriquecedora para o leitor, também pela capacidade, ainda que um pouco exagerada, de colocar questões sobre as QN.

Como o A. explica no prólogo, um aspecto central deste livro é a de se avaliar a importância das QN para a história da ciência, ou seja, se estamos perante um projecto meramente filosófico ou se o discurso científico é suficientemente relevante para uma redefinição do género, tendo em conta que em Plutarco não há uma clara distinção entre, por exemplo, ciência natural, religião e mitologia, até porque o conceito de ciência na Antiguidade não corresponde ao actual. Na verdade, os 41 problemata colocam questões científicas e não científicas, com respostas e estruturas de respostas distintas, numa constução etiológica muito sofisticada, também pela relação que se gera com o leitor. De datação muito difícil, as QN podem ter sido um tratado elaborado ao longo de vários anos, mas, apesar de provavelmente serem de uma fase inicial da actividade de escrita de Plutarco, considera o A. que as QN não terão sido uma mera preparação para as Quaestiones convivales. Assim, é central nesta obra a avaliação da cientificidade das QN, tal como a distinção entre a discussão de assuntos físicos de outros epistemológicos. Na parte final do prólogo, o A. dá vários exemplos de recepção e transmissão das QN, facto que comprova o valor deste tratado na história da ciência, além disso, no âmbito da história da ciência antiga, considera que Plutarco não é um mero receptor, ainda que lhe reconheça a capacidade de compilação de conhecimento.

Depois do prólogo, o livro está estruturado em duas partes: uma primeira parte introdutória com quatro capítulos (I. Problems, problems, problems (and Aristotelian precedents) (61-‍129); II. The position of Quaestiones naturales in the corpus Plutarcheum (131-‍185); III. Quaestiones naturales and zetetic παιδεία (187-‍233); IV. Plutarch’s Platonic world view: the aetiological design of Quaestiones naturales and its scientific context (235-‍364)); uma segunda parte dedicada ao comentário dos problemata. Compreende-se a preocupação em organizar os diversos temas, mas a excessiva (sub)divisão das matérias em cada um dos capítulos da primeira parte não só dificulta a leitura, como leva a várias repetições.

Quanto ao Capítulo 1, o A. revela um profundo conhecimento da tradição dos problemata, realçando, como se compreende, o modelo aristotélico e o seu valor na tradição médica do período imperial. Ainda assim, como se pode verificar pelo tema do Capítulo IV, a influência platónica é também muito relevante. Sobressai, nas QN, uma estrutura etiológica com motivação heurística, em que se prefere sugerir ou questionar. Além disso, um aspecto a que esta obra dedica algum relevo é à presença de Plutarco nos problemata, marcando a sua autoridade e reforçando a ligação com a audiência, que é guiada por temas diversos, sem uma clara organização sequencial. Com conotações exegéticas e tópicos intelectuais, as quaestiones (no entender do A., seria mais correcto o uso do vocábulo latino causae (p. 108)) exigiriam, certamente, um leitor especial. Esta característica, várias vezes repetida no livro, deveria ter merecido uma melhor desenvolvimento do parte do A.: que objectivo terá tido Plutarco? A que leitor pretendia chegar? Até que ponto o efeito retórico condiciona ou não essa ligação com o leitor? Como bem realça o A., várias matérias que se encontram nos problemata encontram eco na restante obra de Plutarco, o que reforça a tese de que as QN são da sua autoria e um sinal do gosto pela argumentação, com um discurso breve e claro, em detrimento da forma. Embora Plutarco mantenha a sua visão ética do mundo físico, nas QN a dinâmica moral não é, de facto, a mais importante.

No Capítulo 2, o A. faz, sobretudo, uma análise intertextual das QN, sendo um bom exemplo disso o problema 19, com vários paralelos no restante tratado. Ainda que Plutarco trate de matérias semelhantes em outros tratados e biografias, nas QN dedica-se de forma autónoma à especulação etiológica. É de salientar o profundo conhecimento que o A. tem do corpus plutarcheum, identificando e analisando várias interligações, suporte fundamental para reforçar a tese da unidade e consistência do corpus. Como seria de esperar, explora o A. a relação estreita entre as QN e as Quaestiones convivales. Pelo facto de em outros capítulos voltar a este elemento importante de análise (por exemplo, no Capítulo 3), teria sido preferível, neste Capítulo 2, alongar-se mais na análise, bastando juntar as considerações que faz ao longo da obra. Os dois tratados, de natureza distinta, deixam transparecer um saber enciclopédico e parecem resultar de pesquisas coligidas por Plutarco, ou seja, de hypomnemata. No caso das QN, o A. realça o seu teor didáctico, de largo espectro, enquanto reflexo da polymatheia de Plutarco.

Por sua vez, o Capítulo 3 aprofunda o sentido zetético das QN, percorrendo as influências filosóficas presentes nos problemata. O A. identifica e aprofunda o sentido das φιλόλογα ζητήματα, relacionando-as com a dinâmica cultural de Plutarco, num contexto próximo da paideia da Segunda Sofística. Salientando-se a “dialogical organization” (p. 212) das QN, numa relação estreita entre autor e leitor, coloca-se a hipótese de alguns problemata poderem ter origem em diálogos na escola ou num contexto escolar específico. De cariz teórico, as QN são também uma obra funcional, ao estilo de um manual técnico, de nível intelectual e dimensão social, mas que, segundo o A., pode ser entendido como um “prephilosophical text” (p. 219), uma definição curiosa, mas que poderia ter sido mais aprofundada.

No último Capítulo da parte introdutória, são apontadas várias marcas platónicas nas QN, tratado revelador da curiosidade intelectual de Plutarco e como consegue interligar elementos tão distintos, havendo pouca distinção entre ciência e ficção. Como muito bem enfatiza o A., Plutarco colige diferentes elementos, uns mais científicos e outros mais da cultura popular, na linha daquilo que a tradição científica foi fazendo ao incorporar aspectos paradoxais (paralogos e paradoxos). Por isso, uma das linhas de análise das QN é precisamente essa combinação de, por exemplo, religiosidade e superstição, com uma valorização positiva da tradição dos mirabilia. Também se explora neste estudo a influência das forças divinas na natureza, com uma listagem dos elementos mitológicos presentes nas QN. Saliente-se como o A. estuda e analisa a relação entre ciência e poesia, identificando os vários poetas citados nas QN, tal como as marcas da tradição científica, considerando que a argumentação de Plutarco não é uma pura acumulação doxográfica. De facto, as QN oscilam entre a tradição e a inovação, com uma abordagem qualitativa, de intensa dinâmica etiológica e também retórica, característica que poderia ter sido mais aprofundada neste livro. Ao longo deste Capítulo, o A. sente, como seria de esperar, a necessidade de estabelecer comparações com as marcas aristotélicas-peripatéticas das QN, repetindo alguns elementos do capítulo inicial. Um exemplo disso são as inúmeras vezes que lemos ao longo da obra as expressões ‘as we will’ ou ‘as we saw’ Porventura isso poderia ter sido evitado com um capítulo temático exclusivamente dedicado à tradição dos problemata.

A segunda parte do livro ocupa-se do comentário dos problemata. Além da estrutura das causae e de uma breve contextualiação temática, o comentário é revelador de um profundo trabalho filológico, remetendo para outros textos de Plutarco e, sobretudo, para textos da tradição científica. Como na maioria dos problemata se remete para as Quaest. conv., parece-nos que esses paralelismos poderiam ter merecido um tratamento mais autónomo na primeira parte do livro. Além disso, como a primeira parte revela uma análise bastante minuciosa, com constantes exemplos das QN, notamos na leitura do comentário várias repetições. Saliente-se, por fim, a inclusão de duas quaestiones (40 e 41) transmitidas por M. Psello na obra De omnifaria doctrina, do século XI.

Em conclusão, Meeusen dá um contributo muito relevante para a reflexão sobre a ciência na Antiguidade Clássica, em especial sobre a etiologia filosófica dos problemata em Plutarco e a sua relação com a tradição. A forma como se abordam as dificuldades de interpretação colocadas pelas QN, levam, sem dúvida, o leitor a deixar-se seduzir pela intertextualidade plutarqueana. Saliente-se, ainda, o facto de este livro está profusamente anotado, com bibliografia específica e muito actualizada. Apesar das várias repetições, muito por causa da metodologia estrutural que foi definida, com conclusões no final de cada secção, estamos na presença de um livro com enorme valor filológico e cultural.