Asclepio. Revista de Historia de la Medicina y de la Ciencia 75 (2)
julio-diciembre 2023, e37
ISSN-L: 0210-4466
https://doi.org/10.3989/asclepio.2023.37

RESEÑAS / BOOK REVIEWS

Joaquim Pinheiro

Universidade da Madeira
Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra

https://orcid.org/0000-0002-5425-9865

Meeusen, Michiel. Ancient Greek Medicine in Questions and Answers: diagnostics, didactics, dialectis. Studies In Ancient Medicine, 54. Leiden/Boston, Brill, 2020, xi+242 pp. [ISBN: 9789004437654].

Este Volume reúne nove estudos que foram previamente apresentados na Conferência Internacional, em Leuven (2016), sobre o tema Where does it hurt? Ancient Medicine in Questions and Answers. Entre outros assuntos, reflecte-se sobre as formas de comunicação e interacção entre médico e paciente, e sobre as diferentes metodologias que as escolas médicas definiram para essa relação. Na introdução, M. Meeusen enquadra o tema da dialéctica entre o médico e o paciente, numa dinâmica questão-resposta, como parte relevante do diagnóstico e do tratamento médicos, tanto na Antiguidade Clássica como na actualidade. No Corpus hippocraticum é possível reunir informação sobre essa dialéctica, como também nas Quaestiones medicinales de Rufo de Éfeso ou mesmo em alguns tratados de Galeno, em que se critica o uso de um método que não inclua a interrogação médica. Como compreendemos pelos vários estudos, não havia na medicina antiga um método uniforme, pois as escolas médicas definiam teorias distintas para a relação médico-paciente. Embora se compreenda facilmente o valor da comunicação na prática médica, há aspectos a ter em conta como por exemplo: estará o paciente a dizer a verdade? Está o paciente na plenitude das suas capacidades mentais para relatar o que sente? Não pode o uso pouco correcto da linguagem dificultar ou iludir a interpretação médica? Além das questões que surgem nos tratados médicos, estas dúvidas fazem parte da complexidade médica, percebendo-se, ao longo da história e do ensino da medicina, a necessidade de definir com clareza as melhores estratégias que o médico deve seguir na complexa relação com o paciente. Por conseguinte, é neste âmbito que os estudos incluídos neste volume, com uma sequência diacrónica, apresentam e analisam várias perspectivas metodológicas, baseando-se em fontes diversas, desde tratados a fragmentos anónimos, dos textos hipocráticos a Alexandre de Trales.

A. Pelasvski (“Questioning the Obvious: the Use of Questions and Answers in Assessing Consciousness in the Hippocratic Corpus”), com base no Corpus hippocraticum, analisa a dimensão “metacognitiva” das questões e a forma como os pacientes se (auto)manifestam nas respostas. Essa comunicação interpessoal revela, segundo o A., um nível de consciência que merece ser explorado, até porque isso nos permite avaliar os dois intervenientes no acto médico.

Por sua vez, R. Mayhew (“Peripatetic and Hippocratic Seeds in Pseudo-Aristotle, Problemata 4: Raising Questions about Aristotle’s Rejection of the Pangenesis Theory of Generation”) aborda no seu estudo o tema da reprodução a partir do Problemata 4 (peri aphrodisia; especialmente, 2, 15 e 21) do tratado Problemata physica, atribuído pela tradição a Aristóteles, comparando-o com a teoria pangenética do tratado hipocrático A semente. Numa interessante análise intertextual, o A. aponta várias razões para Aristóteles recusar a teoria pangenética, colocando a hipótese de essa rejeição estar relacionada com uma determinada fase do seu percurso, eventualmente por influência de algum autor ou pensador da época.

O estudo de K. Oikonomopoulou “Autho(s) and Reader(s) in the Supplementary Problems (Supplementa Problematorum)”) baseia-se na colecção imperial intitulada Supplementa Problematorum, de datação incerta, que tem merecido pouca atenção por parte dos estudiosos. O objectivo da A. é analisar a interacção entre autores e leitores, identificando as estratégias que presidem a esta relação, na maioria das vezes desnivelada, uma vez que o conhecimento médico do autor é superior. Embora não seja possível confirmar que o destinatário/leitor dos problemata fosse sempre um estudante de medicina, a intencionalidade pedagógica desta colecção de questões é inquestionável. Como bem salienta a A., o enquadramento cultural é revelante para interpretar as questões e a forma como os intervenientes participam na dinâmica questão-resposta.

M. Meeusen (“Ps.-Alexander of Aphrodisias on Unsayable Properties in Medical Puzzles and Natural Problems”) analisa o tema principal deste Volume a partir da obra Questões Médicas e Problemas Naturais (228 secções, divididas em dois livros) de Ps.-Alexandre de Afrodísias (ou Alexandre de Damasco, uma hipótese que o A. coloca na parte final do capítulo), em particular o conceito ἰδιότητες ἅρρηττοι, tanto do ponto de vista teórico, como prático. De entre as reflexões que o A. tece, realço a forma como equaciona a relação entre as “propriedades indizíveis” e os problemas insolúveis, bem como a possibilidade de mutação dessas propriedades, nomeadamente deixarem de ser “indizíveis”. Talvez de origem estóica e que surge já em Galeno, este conceito marca uma separação entre, por um lado, a medicina e a ciência, e, por outro, o pensamento teológico, sendo de assinalar, mais uma vez, o valor didáctico da construção questão-resposta.

No seu estudo, L. Gili “Erotetic Logic, Uncertainty and Therapy: Galen and Alexander on Logic and Medicine” compara a lógica erotética de Galeno com a de Alexandre de Afrodísias, tendo por base a tradição aristotélica. Constata que o processo dialógico gera informação, sobretudo quando é bem conduzido, embora não garanta que se elimine a incerteza relativamente ao assunto em reflexão. Conclui-se desta comparação uma grande diferença: ao contrário de Alexandre de Afrodísias, Galeno não representa formalmente, no diálogo, a discrepância epistémica entre um conjunto de premissas de valor diferente, não escondendo os dois que os médicos não têm, por vezes, a certeza quanto à verdade das premissas. Segundo o A., para Galeno e Alexandre de Afrodísias, a medicina é um sistema axiomático de carácter dedutivo, podendo ser usada uma linguagem diferente nessa sequência dedutiva, por ser um sistema flexível.

Os três estudos que se seguem têm em comum o facto de basearem a sua análise em documentos papirológicos. A. Ricciardetto (“La réponse du médecin: les rapports d’inspection médicale écrits en grec sur papyrus (Ier-IVe siècles)”) demonstra que as informações dos relatórios médicos possuem elementos muito valiosos para se avaliar as características da população (doenças, alimentação, higiene, entre outros) e permitem compreender, por um lado, a relação entre as autoridades administrativas e os médicos, e, por outro, as práticas seguidas no acto clínico ou exame, que revelam ser bastante padronizadas, mesmo quanto às questões que se colocam durante este processo. Depois, I. Bonati (“Definitions and Technical Terminology in the Erôtapokriseis on Papyrus”) identifica e interpreta a terminologia técnica que é usada nos muitos textos médicos com o formato erotapokrisis (questão-resposta) em papiros, que abordam temas diversos (anatomia, ginecologia, cirurgia, patologia ou oftalmologia), estabelecendo-se uma comparação com a tradição das definitiones e quaestiones medicinales. À semelhança de outros estudos deste Volume, conclui-se que a erotapokrisis é uma metodologia relevante do procedimento médico, com o adicional interesse de, nos papiros, haver várias particularidades lexicais que são apontadas pela A. Quanto ao estudo de N. Reggiani (“Digitizing Medical Papyri in Question-and-Answer Format”), numa linha semelhante ao capítulo anterior, concentra-se mais no tema do formato da erotapokrisis, pondo a hipótese de ser uma marca de oralidade do próprio processo pedagógico. Passa depois a explicar o trabalho que foi desenvolvido pelo Projecto DIGMEDTEXT, de 2014 a 2016, que teve como objectivo a constituição de uma base de dados de papiros gregos relacionados com a medicina, fundamental para se compreender melhor a história da medicina na Antiguidade, em particular o tema da erotapokrisis na dinâmica médica.

No último capítulo, o estudo de L. Mareri (“Questions on the Unseen: Alexander of Tralles’ Patient Interaction”) explora o tema da interacção entre médico e paciente na obra de Alexandre de Trales (séc. IV), em particular o papel que a ‘questão’ desempenha no diagnóstico que o médico elabora e na decisão quanto à forma de tratamento. São, sobretudo, abordadas duas doenças: a melancolia e a frenite. Para as tratar, o processo dialógico é essencial para a prática médica, segundo Alexandre de Trales, sem negligenciar outros procedimentos.

Em conclusão, estamos na presença de um Volume muito coerente do ponto de vista temático, com estudos que abordam textos médicos antigos que nem sempre são incluídos em publicações desta natureza. A argumentação dos estudos é sólida e revela que os Autores conhecem bem os textos em análise, tal como a bibliografia sobre a temática central. Atendendo ao título do Volume, o tema do papel didáctico e dos destinatários dos textos mereceria uma abordagem mais autónoma e directa. Da leitura dos nove capítulos, compreende-se o valor da dimensão sociológica da arte médica, associada ao uso do logos. Num momento em que o exercício da medicina parece caminhar gradualmente para a diminuição do factor humano, estes textos recordam-nos como o processo questão-resposta é tão significativo e como continua a ser fundamental para médicos e pacientes.