Asclepio. Revista de Historia de la Medicina y de la Ciencia 74 (2)
julio-diciembre 2022, p605
ISSN-L: 0210-4466
https://doi.org/10.3989/asclepio.2022.18

ESTUDIOS / STUDIES

CONEXÕES ENTRE DOIS MUNDOS. PRÁTICA MÉDICA, ARTES DE CURAR E OS SABERES LOCAIS ANGOLANOS NOS TEXTOS EUROPEUS AO LONGO DO SÉCULO XVIII

CONNECTIONS BETWEEN TWO WORLDS. MEDICAL PRACTICE, HEALING ARTS AND THE LOCAL ANGOLAN KNOWLEDGE IN EUROPEAN TEXTS THROUGHOUT THE 18TH CENTURY

Gisele Cristina Da Conceição

CITCEM - Uporto
U. de Porto, Portugal

https://orcid.org/0000-0002-2251-805X

RESUMO

As conexões entre a África e o Brasil são tema recorrente na historiografia, principalmente, aquela relacionada com as questões sociais, econômicas, logísticas e políticas que envolviam o tráfico de escravos entre ambos os continentes. Um dos aspectos de maior interesse para os pesquisadores da história das ciências é, nesse sentido, a questão da saúde dos povos escravizados. Neste aspecto, a história da Medicina e dos conhecimentos médicos e farmacêuticos retratam um cenário no qual os contributos dos conhecimentos de origem africana tem vindo a ser verificados. Neste artigo, pretendo reconhecer as práticas médicas aplicadas em território angolano através de uma série de tratados médicos escritos por europeus que praticaram medicina em Angola, mais precisamente em Luanda, pretendendo responder às seguintes questões: Qual é o peso do conhecimento das populações locais na formação dos tratados médicos angolanos? Havia circulação de conhecimentos médicos entre Angola e Brasil?

PALAVRAS CHAVE: 
História da medicina em Angola; Circulação de conhecimentos; Império Atlântico português; plantas medicinais; tráfico de seres humanos.
ABSTRACT

The connections between Africa and Brazil are a recurring theme in historiography, especially that related to social, economic, logistical and political issues involving the slave trade between the two continents. One of the most interesting aspects for researchers in the history of science is, in this sense, the question of the health of enslaved peoples. In this respect, the history of medicine and medical and pharmaceutical knowledge portray a scenario in which the contributions of knowledge of African origin have been verified. In this article, I intend to recognise the medical practices applied in Angolan territory through a series of medical treaties written by Europeans who practised medicine in Angola, more precisely in Luanda, in order to answer the following questions: What is the weight of the local population’s knowledge in the formation of Angolan medical treaties? Was there a circulation of medical knowledge between Angola and Brazil?

KEY WORDS: 
History of Medicine in Angola; Circulation of knowledge; Portuguese Atlantic Empire; Medicinal plants; Slave Trade.

Recibido: 6 de enero 2021; Aceptado: 4 febrero 2022; Publicado: 3 diciembre 2022

Cómo citar este artículo/Citation: Conceição, Gisele Cristina Da (2022) “Conexões entre dois mundos. Prática médica, artes de curar e os saberes locais angolanos nos textos europeus ao longo do século XVIII”, Asclepio, 74 (2): p605. https://doi.org/10.3989/asclepio.2022.18

INTRODUÇÃO

 

É no âmbito do Império Atlântico Português que o tema deste artigo se insere, em um período de tempo em que as atenções da Coroa passaram a voltar-se mais para o Atlântico e menos para a Ásia, em parte devido ao considerável aumento do tráfico de escravos relacionado às descobertas de ouro nas Minas Gerais (Boxer, 2011Boxer, C. R. (2011), O Império Marítimo português 1415-1825, Lisboa, Edições 70. ; Bethencourt, Curto, 2010Bethencourt, Francisco; Curto, Diogo Ramada (2010), A expansão marítima portuguesa, 1400-1800, Lisboa, Edições 70.). Neste contexto, após a expulsão dos Holandeses, em 1648, e até finais do século XVIII, Angola1No século XVIII, o território a que comumente denominamos de Angola, compreendia, principalmente, as áreas litorâneas adjacentes à cidade de São Paulo de Luanda. , cujo principal porto era Luanda, passou a ser um dos pontos mais importantes da configuração estratégica do Império (Madeira-Santos, 2010Madeira-Santos, Catarina (2010), “Administrative knowledges in a colonial context (Angola XVIIIth century)”. The British Journal for the History of Science. Volume 43, Issue 4, p. 539-556.; Fernández-Armesto, 2010, p. 115-144Fernández-Armesto, Felipe (2010), “Rede Económica do Mundo Atlântico Português”, In: Bethencourt, Francisco; Curto, Diogo Ramada (Org), Expansão Marítima Portuguesa, 1400 - 1800, Lisboa, Edições 70, p. 115-144.). Foi neste período, principalmente a partir da segunda metade do século, que se pode verificar este acréscimo da importância das possessões atlânticas, em especial, Angola, no balanço geral do Império, mas também, um crescimento do interesse por se conhecer as potencialidades naturais das colônias, ao mesmo tempo que se assistia a um aumento da circulação de informações e conhecimento por todo o Império português (Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.).

Do ponto de vista logístico e geográfico, o Império português pode ser considerado como um sistema marítimo que criou uma rede comercial entre diversos portos e pequenos povoados (Schwartz, 2010, p. 21-51Schwartz, Stuart B. (2010), “A economia do Império Português”, In: Bethencourt, Francisco; Curto, Diogo Ramada. A expansão marítima Portuguesa, 1400-1800, Lisboa, Edições 70.), ou como uma rede de conexões marítimas amplamente direcionadas aos interesses do Estado em suas políticas expansionistas, tanto as de caráter mercantil, como religioso e militar (Thomaz, 2009, p. 13-57Thomaz, Luiz Filipe (2009), “D. Manuel, a Índia e o Brasil”, Revista de História, nº 161.). Desde o início do reinado de D. João V (1706-1750) pode-se observar uma maior circulação de pessoas, livros, ideias e correspondência entre os mais variados ambientes, seja em Portugal, em países do norte da Europa ou nas colônias (Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.; Furtado, 2012Furtado, Júnia Ferreira (2012), Oráculos da Geografia Iluminista: Dom Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D`Anville na construção da cartografia do Brasil, Belo Horizonte, UFMG. ). O Império Português estava conectado por vias marítimas, e através delas, não havia apenas circulação derivada do comércio e da escravatura, mas também uma intensa circulação de textos, fossem eles meras trocas de correspondência, ofícios, requerimentos, receitas comerciais ou textos, religiosos e científicos.

Neste contexto, Angola era um importante ponto dentro do complexo marítimo português, pois foi uma das principais regiões de saída de escravos, principalmente para o Brasil (Alencastro, 2010, p. 115-144Alencastro, Luiz Felipe de (2010), “A rede económica do Mundo Atlântico português”. In: Bethencourt, Francisco; Curto, Diogo Ramada, A expansão marítima portuguesa, 1400-1800, Lisboa, Edições 70, p. 115-144.). Nas embarcações, não apenas os escravos eram transportados, mas também, uma série de produtos. Por esse motivo, a conexão entre os dois pontos do Império (Brasil e Angola) vem sendo tema de estudos envolvendo a História Atlântica sob diversos aspectos, principalmente em se tratando do comércio de escravos, e da circulação de bens de consumo (Ferreira, 2012Ferreira, Roquinaldo (2012), Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade, New York, Cambridge University Press.; Alencastro, 2010Alencastro, Luiz Felipe de (2010), “A rede económica do Mundo Atlântico português”. In: Bethencourt, Francisco; Curto, Diogo Ramada, A expansão marítima portuguesa, 1400-1800, Lisboa, Edições 70, p. 115-144.). No entanto, a conexão interatlântica não estava relacionada apenas ao tráfico humano e à transação de produtos comerciais. Por ela também foram disseminadas doenças originárias de diversos pontos do Império. Em certa medida, tais enfermidades tinham que ser reconhecidas pelos médicos, e tinham que ter tratamentos específicos, muitas vezes com componentes botânicos de origem local (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Walker, 2009Walker, Timothy (2009), “Acquisition and Circulation of Medical Knowledge within the Early Modern Portuguese colonial empire”, In: Bleichmar, Daniela; De Vos, Paula; Huffine, Kristin; Sheehan, Kevin (eds.), Science in The Spanish and Portuguese Empires 1500-1800, Stanford Stanford University Press.; Cook, Walker, 2013Cook, Harold J., Walker, Timothy (2013), “Circulation of Medicine in the Early Modern Atlantic World”, Social History of Medicine, 26 (3): 337-351.). Essa questão é fundamental, não apenas para compreendermos as dinâmicas dos processos de construção de conhecimento médico deste período, e em Angola, mas também, para percebermos que a construção de conhecimento foi amplamente baseada em componentes de origem local.

Nos últimos anos, novas pesquisas na área da História da Medicina e da prática médica tem questionado o porquê de as culturas médicas africanas não estarem amplamente descritas nos estudos sobre as mudanças paradigmáticas ocorridas ao longo do período moderno na Medicina - como campo do saber e prática médica. Alguns dos pontos defendidos, dizem respeito a questões políticas, comerciais, culturais e sociais relacionados com a prática médica em território africano, com a aceitação daquilo que era produzido em termos de conhecimento prático sobre medicamentos e processos de curas locais. Parte dos estudos, apontam que a ausência de um comércio de medicamentos, por exemplo, de origem exclusivamente africana, estava conectada ao fato de o mercado da costa subsaariana estar quase que exclusivamente voltado para o comércio de seres humanos (Breen, 2019Breen, Benjamin (2019), “The Flip Side of the Pharmacopoeia: Sub-Saharan African Medicines and Poisons in the Atlantic World”. In: Crawford, Matthew James and Gabriel, Joseph M. (eds.), Drugs on the Page: Pharmacopoeias and Healing Knowledge in the Early Modern Atlantic World, University of Pitsburgh Press. ; Kananoja, 2015Kananoja, Kalle (2015), “Bioprospecting and European Uses of African Natural Medicine in Early Modern Angola”, Portuguese Studies Review, 23 (2).; Ferreira, 2012Ferreira, Roquinaldo (2012), Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade, New York, Cambridge University Press.). Quando procuramos compreender os processos de formação de conhecimento nos espaços coloniais, e retrocedemos às análises da historiografia das ciências ao longo do século XX, deparamo-nos com interpretações inclinadas a considerar a produção de conhecimento como tendo sido produto de percursos lineares de difusão (Raj, 2010Raj, Kapil (2010), Relocating Modern Science: Circulation and the Construction of Knowledge in South Asia and Europe, 1650-1900, Hampshire, Palgrave Macmillian. ; Raj, 2013, p. 337-347Raj, Kapil (2013), “Beyond Postcolonialism… and Postpositivism: Circulation and the Global History of Science”, Isis, Vol. 104, No. 2, p. 337-347. ). Para parte desta historiografia tradicional, a construção de conhecimento seria um sistema linear de proposições e descobertas, e pensavam-se os princípios norteadores da produção de conhecimento científico como universalmente aplicáveis. Assim, as particularidades da produção científica em um local específico tendiam a ser consideradas secundárias, já que, afinal, a produção de conhecimento deveria compreender séries de processos unificadores, e comuns para todos (Raj, 2010Raj, Kapil (2010), Relocating Modern Science: Circulation and the Construction of Knowledge in South Asia and Europe, 1650-1900, Hampshire, Palgrave Macmillian. ; Kuhn, 2009Kuhn, Thomas S. (2009), A estrutura das Revoluções Científicas, Lisboa, Guerra e Paz.).

A partir de seus princípios universais de racionalidade, o conhecimento científico deveria ser passível de reprodução em qualquer lugar, e por qualquer indivíduo que dominasse as suas ferramentas de análise. Segundo essa perspectiva, o conhecimento produzido em locais outros, que não seus centros iniciais de difusão, poderia ser considerado uma mera cópia, por vezes de validade inferior, em relação aos originais universais (Raj, 2010Raj, Kapil (2010), Relocating Modern Science: Circulation and the Construction of Knowledge in South Asia and Europe, 1650-1900, Hampshire, Palgrave Macmillian. ). Contudo, novos estudos têm procurado compreender tais processos de maneira mais dilatada, partindo do princípio de que o conhecimento pode se desenvolver com características distintas em territórios variados (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Conceição, 2010; Livingstone, 2013Livingstone, David N. (2013), Putting Science in its place: Geographies of Science Knowledge, Chicago, University of Chicago Press.; Schaffer, 2009Schaffer, Simon (2009), The Brokered World: Go-Betweens and Global Intelligence, 1770-1820, (co-editor with Lissa Roberts, Kapil Raj and James Delbourgo), Sagamore Beach, MA, Science History Publications.).

Esta produção seria algo muito mais complexo, menos um sistema unificado de conhecimentos, e mais uma série de conjuntos que, entre outros, envolveria aspectos históricos relacionados com a identidade cultural dos seus produtores, materiais e instrumentais a eles disponíveis, e com as práticas sociais, conjunturas políticas e dimensões cognitivas (Livingstone, 2013Livingstone, David N. (2013), Putting Science in its place: Geographies of Science Knowledge, Chicago, University of Chicago Press.). A produção de conhecimento, então, seria também influenciada pelos processos de circulação deste entre os diferentes produtores, associados a fatores locais, a processos de troca e negociação e de reconfiguração, frequentemente implicando relações de poder. Desse ponto de vista, a produção de conhecimento deixaria de ser relacionada apenas com os aspectos materiais e instrumentais, e passaria a envolver um complexo mais amplo de atividades humanas, juntamente com a circulação destes de maneira global, permitindo que a produção de conhecimento pudesse, de certa maneira, se tornar mais regional, sem perder a característica de conhecimento amplo e universalmente aplicável (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.).

É neste contexto, e a partir de duas questões centrais, que vão se orientar as análises a serem produzidas ao longo deste artigo: Qual é o peso do conhecimento das populações locais na formação dos tratados médicos angolanos? Havia circulação de conhecimentos médicos entre Angola e Brasil? Centrando-se no caso específico dos processos de construção de conhecimentos médicos em Angola na primeira metade do século XVIII, partir-se-á do pressuposto de que os trabalhos sobre Medicina desenvolvidos em Angola possuem características próprias de seu local, de acordo com especificidades de cada contexto político e social de seu autor. Diante disso, torna-se fundamental a compreensão das diversas variáveis, relativas ao universo específico das comunidades em que estavam inseridos os agentes produtores de conhecimento, nas suas condições locais, nas suas relações com os contextos mais amplos do Império, nas suas dimensões geográficas, políticas e sociais, e na circulação de conhecimento, neste caso, em especial, entre Angola e o Brasil.

CONEXÕES ENTRE DOIS MUNDOS

 

Apesar de o grande motor que impulsionou o comércio e estabeleceu conexões marítimas entre a África e os demais pontos dentro do Império português ter sido o tráfico de seres humanos, não se pode omitir uma série de outros fatores paralelos, que fizeram com que a África se tornasse um dos mais significativos pontos de conexão no eixo atlântico entre Brasil e Portugal (Sweet, 2011Sweet, James H. (2011), Domingos Álvares, African Healing, and the Intellectual History of the Atlantic World, The University of North Carolina Press. e 2003Sweet, James H. (2003), Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770, The University of North Carolina Press.). Através das rotas comerciais de seres humanos, muitos outros elementos puderam circular. Para o caso deste artigo, interessa saber aqueles que fizeram parte dos processos de construção e circulação de conhecimentos ao longo do período moderno, principalmente relacionados com as questões de saúde, medicina e plantas medicinais africanas.

Apesar de não haver registro de farmacopeias destinadas exclusivamente à matéria medica africana, não se pode dizer que não houve produção e circulação de conhecimento sobre as qualidades e usos das plantas medicinais africanas, e sobre a prática medica nesta parte do Império português. Um exemplo desta circulação pode ser encontrado em textos europeus que permearam a prática médica até finais do século XVIII, como os de Garcia da Orta (1501-1568), Nicolás Monardes (1493-1555), João Curvo Semedo (1635-1719); Francisco da Fonseca Henriques (1665-1731); Manoel Rodrigues Coelho (1687-?); Jacob de Castro Sarmento (1691-1762). Os textos destes autores, continham plantas medicinais nativas do Brasil, África e Ásia (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Breen, 2019Breen, Benjamin (2019), “The Flip Side of the Pharmacopoeia: Sub-Saharan African Medicines and Poisons in the Atlantic World”. In: Crawford, Matthew James and Gabriel, Joseph M. (eds.), Drugs on the Page: Pharmacopoeias and Healing Knowledge in the Early Modern Atlantic World, University of Pitsburgh Press. ).

Esta circulação de conhecimento foi intensa ao longo de todo o século XVIII, fomentada, principalmente, por políticas de incentivo aos estudos que pudessem reconhecer as potencialidades naturais das colônias. A produção sistematizada desses estudos se intensificou ao final dos setecentos, embora tenha tido início enquanto discussão política e científica já no início do século, tornando-se um programa concreto a partir de 1755. Nesse período, os objetivos da Coroa portuguesa passavam por conhecer, classificar e dominar o território e as suas potencialidades, ao mesmo tempo que contribuíram para estreitar os laços entre Portugal e os seus domínios coloniais (Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.).

Entretanto, este marco na história da expansão dos conhecimentos sobre as colônias deixa transparecer outra questão fundamental: a conexão entre a África e o Brasil. No contexto das investigações sobre a natureza, nota-se que África teria ficado em posição estrategicamente secundária em relação à América portuguesa, que passou a atrair o maior número de profissionais qualificados e filósofos naturais dispostos a trabalhar e produzir conhecimentos sobre as culturas locais e as potencialidades naturais. As expedições para o Brasil ganharam maior atenção por parte da Coroa (Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.). Prova disso pode ser encontrada numa grande quantidade de trabalhos, produzidos ao longo do século, que contêm descrições e observações do ambiente natural do Brasil, em relação ao número menos expressivo sobre o território africano.

Para além dos textos e tratados médicos, boa parte do conhecimento sobre medicina e farmácia que circulou, principalmente ao longo do século XVIII, também foi produzido de maneira informal através de textos escritos por funcionários da Coroa e intelectuais, muitas vezes sem nunca terem viajado para as colônias. Estes indivíduos, através de trocas de correspondência, faziam com que o conhecimento produzido em vários pontos do Império circulasse e fizesse parte da prática médica seja na África, Brasil, Ásia ou Europa (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.). Um exemplo marcante na história da produção e circulação de conhecimento no Império português foi o do médico António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783).

Ribeiro Sanches foi figura de importante destaque na composição de muitas das políticas científicas e educacionais implementadas em Portugal ao longo do século XVIII. Conectando-se com figuras centrais do Estado português, suas ideias (mesmo que não na totalidade) puderam ser incorporadas nas reformas pombalinas (1750-1777) (Conceição, 2017Conceição, Gisele C. (2017), “Evidências da circulação de conhecimento filosófico-natural sobre o Brasil, em um manuscrito de 1763 de António Nunes Ribeiro Sanches”, História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 24 no. 2.; 2018Conceição, Gisele C. (2018). “Science and power relations: Circulation of agents and knowledge between Portugal and Brazil in the eighteenth century”. In: Polónia, Amélia; Bracht, Fabiano; Conceição, Gisele C.; Palma, Monique (Org.), Cross-cultural Exchange and the Circulation ok Knowledge in the First Global Age , 1ed., Porto, Edições Afrontamento/CITCEM, v. 1, p. 15-35.; 2019Conceição, Gisele C. (2019), Natureza ilustrada: processos de construção e circulação de conhecimento Filosófico-Natural sobre o Brasil na segunda metade do século XVIII, 1. ed., Porto, FLUP-CITCEM, v. 1. ). Ribeiro Sanches participou ativamente na construção das bases políticas e científicas para uma restruturação da Universidade de Coimbra2Foi neste período que a cátedra de História Natural da Universidade de Coimbra foi ocupada pelo médico e filósofo natural italiano Domenico Vandelli (1735-1816). A partir de 1764, quando contratado, Vandelli foi o principal idealizador de uma série de viagens pelo Reino e possessões ultramarinas, todas elas ligando o caráter científico às intenções de cunho econômico e político, tais como as de fazer um inventário dos recursos naturais que pudessem ser explorados no futuro (Conceição, 2019, p. 57-58)., em particular nos processos de desenvolvimento e reforma do pensamento médico e educacional. Militante para que a Coroa portuguesa aumentasse os incentivos para que os intelectuais fizessem o périplo europeu, suas ideias, seus trabalhos, suas críticas, foram abundantes e circularam por todo o Império, e fora dele. Neste sentido, sabe-se que o médico português escreveu algumas páginas, em momentos distintos, sobre as colônias, especialmente África e Brasil, e suas potencialidades naturais que pudessem ser utilizadas pela Coroa (Conceição, 2017Conceição, Gisele C. (2017), “Evidências da circulação de conhecimento filosófico-natural sobre o Brasil, em um manuscrito de 1763 de António Nunes Ribeiro Sanches”, História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 24 no. 2.; 2018Conceição, Gisele C. (2018). “Science and power relations: Circulation of agents and knowledge between Portugal and Brazil in the eighteenth century”. In: Polónia, Amélia; Bracht, Fabiano; Conceição, Gisele C.; Palma, Monique (Org.), Cross-cultural Exchange and the Circulation ok Knowledge in the First Global Age , 1ed., Porto, Edições Afrontamento/CITCEM, v. 1, p. 15-35.; 2019Conceição, Gisele C. (2019), Natureza ilustrada: processos de construção e circulação de conhecimento Filosófico-Natural sobre o Brasil na segunda metade do século XVIII, 1. ed., Porto, FLUP-CITCEM, v. 1. ). O cenário político-científico em Portugal nesse período estava totalmente voltado para a construção de bases que pudessem organizar a Ciência no país, de acordo com o pensamento iluminista.

Em 1763, em carta3BNP (Biblioteca Nacional de Portugal), secção dos Reservados, COD. 6941//4. Apontamentos para descobrir na América Portuguesa aquelas produções naturais que podem enriquecer a Medicina, e o Comércio, 1763. possivelmente endereçada à Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de Pombal, Ribeiro Sanches escreveu que “Tanto da America Portugueza, como da Africa [… ] chegão a Portugal muitas plantas, balsamos, e gomas já conhecidas nas boticas, e introduzidas na Medicina”. Esta carta foi escrita por Ribeiro Sanches quando vivia em Paris, e, apesar de nunca ter estado nas colônias, ele tomou conhecimento sobre diversas plantas medicinais nativas do Brasil e da África, e estabeleceu conexões entre ambos os pontos do Império, tentando traças semelhanças relativas às abundantes potencialidades naturais que poderiam ser extraídas e cultivadas em ambos os territórios (Conceição, 2017Conceição, Gisele C. (2017), “Evidências da circulação de conhecimento filosófico-natural sobre o Brasil, em um manuscrito de 1763 de António Nunes Ribeiro Sanches”, História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 24 no. 2.; 2018Conceição, Gisele C. (2018). “Science and power relations: Circulation of agents and knowledge between Portugal and Brazil in the eighteenth century”. In: Polónia, Amélia; Bracht, Fabiano; Conceição, Gisele C.; Palma, Monique (Org.), Cross-cultural Exchange and the Circulation ok Knowledge in the First Global Age , 1ed., Porto, Edições Afrontamento/CITCEM, v. 1, p. 15-35.; 2019Conceição, Gisele C. (2019), Natureza ilustrada: processos de construção e circulação de conhecimento Filosófico-Natural sobre o Brasil na segunda metade do século XVIII, 1. ed., Porto, FLUP-CITCEM, v. 1. ). Também salientou a necessidade de se explorar as potencialidades naturais dos territórios coloniais de maneira mais objetiva e organizada, reforçando a ideia de que era necessário serem “mandados (homens instruídos) a America Portugueza, e a Angola, para descobrir os produtos daqueles Continentes” (Sanches, 1763), principalmente relacionados com a matéria medica.

Dentro deste contexto, abre-se um ponto fundamental de discussão e análise, esta, relativa às consequências deste direcionamento de recursos e objetivos de exploração e reconhecimento das potencialidades naturais do Brasil e não tanto da África - o impacto desta estratégia imperial no sistema de assistência aos enfermos em África, mais precisamente em Angola.

É recorrente, nas fontes documentais, a existência de reclamações por parte dos profissionais e dos colonos em Angola, relativas à falta de médicos e boticários bem formados, assim como de medicamentos e mesmo de hospitais bem equipados. É possível perceber que, ao longo de todo o século XVIII, boa parte dos profissionais da área da saúde não tinha interesse em permanecer trabalhando em África. A maior parte dos que para lá eram enviados, frequentemente, começavam a solicitar transferência para outros pontos do Império, principalmente o Brasil, quase que imediatamente4AHU_CU_001.

Desde o início do século XVIII, percebe-se a conexão entre Luanda e o nordeste brasileiro relacionada às questões de saúde e medicina. No Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, há uma série de requerimentos que remetem à circulação de médicos entre o Brasil e Angola, e também de pessoas que viviam em Angola e pretendiam encontrar tratamento de saúde nas cidades brasileiras. Ao longo de todo o século, foi constante a reclamação pela falta de médicos em Luanda. Figuras da administração central, escreviam para as autoridades metropolitanas em busca de solução para o problema da assistência aos enfermos; como no caso do requerimento do Bispo de Angola - Frei Manuel de Santa Catarina, que pediu ao Rei D. João V “licença para ir à Baía, em virtude de lá haver muitos médicos e boticas para se poder tratar” (1726)5AHU_CU_001, Cx. 24, D. 2468., já que em Luanda dava-se pela falta destes.

Outro ponto de conexão fundamental, era o comércio de drogas medicinais entre ambos os pontos do Império. Na maior parte dos casos, os requerimentos demonstram um fluxo expressivo de drogas que partiam do Brasil com destino a Luanda, e que fizeram parte do comércio local de fármacos, seja de maneira legal ou clandestina. Um exemplo é o do requerimento feito pelo boticário de Angola, Pedro Marques Pereira, ao rei D. João V, solicitando que este proibisse cirurgiões dos navios oriundos da Corte e do Brasil de comercializarem medicamentos em Angola, dada à grande mortalidade causada pela má qualidade dos fármacos vendidos6AHU_CU_001, Cx. 33, D. 3141.

Este comércio, recorrentemente, suplantava a produção local de medicamentos e gerava desconforto por parte dos boticários residentes em Luanda. Este cenário perdurou por todo o século, e se agravou com a expulsão dos jesuítas entre 1760 e 1770, pois estes eram responsáveis por muitas das boticas angolanas que produziam remédios para a população local. Logo no início da década de 1760 começou a sentir-se a falta dos medicamentos produzidos pela Ordem. Em 1760 o governador e capitão-general de Angola, António de Vasconcelos, escreveu ao Conde de Oeiras e então Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, sobre ter deferido o pedido do senado da Câmara, no qual solicitavam os remédios sequestrados aos jesuítas, porque os moradores necessitavam deles depois de ter sido fechada a botica dos irmãos da Misericórdia. No mesmo requerimento, o governador também solicitou um novo médico porque o que lá estava era bom, mas a sua saúde impedia-o por vezes de prestar assistência7AHU_CU_Angola, CX. 47, D 4297.

A falta de médicos, medicamentos e a precarização dos hospitais era uma das problemáticas mais recorrentes em Angola8AHU_CU_001, Cx. 22, D. 2238. AHU_CU_001, Cx. 24, D. 2413. AHU_CU_001, Cx. 25, D. 2513. AHU_CU_001, Cx. 30, D. 2948. AHU_CU_001, Cx. 35, D. 3335. AHU_CU_001, Cx. 38, D. 3613.. Neste âmbito, às conexões entre Angola e o Brasil tornam-se ainda mais próximas, e percebemos que o cotidiano colonizatório em África estava intimamente ligado ao da América, ao ponto de, em 1721 o Conselho Ultramarino ter ordenado que o procurador da Fazenda verificasse acerca da falta de médicos em Angola, e para que se promovesse a colaboração entre o governador e capitão-general de Angola, Henrique de Figueiredo e Alarcão, e do governador do Rio de Janeiro, Aires de Saldanha, para que fosse enviado do Brasil o doutor Filipe Cortes de Velasco. As despesas da transferência seriam integralmente pagas com recursos angariados pelos moradores de Luanda9AHU_CU_001, Cx. 22, D. 2259..

A questão da precarização da saúde em Angola também pode ser notada através de alguns requerimentos que contam o caso do físico-mor Tomé Guerreiro, formado na Universidade de Coimbra (licenciado e bacharel em Artes em 1704), médico em Luanda entre 1717 e 172810AHU_CU_001, Cx. 33, D. 3136.. Em uma carta enviada pelo governador e capitão-general de Angola, Henrique de Figueiredo ao rei D. João V, relata:

a câmara de Luanda lhe ter pedido a ele e ao governador do Rio de Janeiro, para que viesse um médico do Brasil para administrar medicamentos e curar os doentes da cidade, porque o físico-mor [Tomé Guerreiro ] sempre que aplicava remédios matava os doentes, sendo por isso preterido a favor dos cirurgiões, dos boticários e dos enfermeiros do hospital; informando que os moradores se comprometiam a pagar uma ajuda de custo ao médico que viesse.

Este processo foi adiante, e um médico chegou a ser contratado vindo do Rio de Janeiro para substituir Tomé Guerreiro. Entretanto, o que parece é que a vinda do médico foi sabotada por Guerreiro, que acabou preso e julgado pelo Tribunal do Santo Ofício, sendo libertado mais tarde e enviado para o Brasil como castigo11AHU_CU_001, Cx. 29, D. 2801.. Por fim, os moradores da cidade ficaram sem ambos, o físico-mor e o médico que viria do Brasil.

Em Angola, a precariedade da assistência aos enfermos, e as más condições de trabalho dadas aos profissionais de saúde, geravam inúmeros pedidos para que fossem autorizadas viagens para o Brasil, onde se acreditava haver melhores condições para o tratamento médico. A conexão entre Luanda e Salvador evidencia-se em pedidos como os do Frei Manuel de Santa Catarina “solicitando licença para ir à Baía, em virtude de lá haver muitos médicos e boticas para se poder tratar e depois regressar ao seu Bispado apto a exercer as suas funções” (1726)12AHU_CU_001, Cx. 24, D. 2468.. Outro ponto a ser notado diz respeito ao perfil dos indivíduos que faziam estes pedidos. Geralmente, eram pessoas ligadas ao serviço militar, clérigos e os próprios médicos/cirurgiões e físicos-mor. Como o caso do físico-mor Eusébio Catela de Lemos, que solicitou junto ao Rei D. João V que “fosse nomeado seu sucessor e pedindo licença para viajar para qualquer porto do Brasil, na companhia da sua mulher, para restabelecer a sua saúde” (1741)13AHU_CU_001, Cx. 35, D. 3335.. Este processo durou 2 anos, e nos diversos requerimentos constantes, o físico-mor afirmou que poderia ser enviado para qualquer porto do Brasil, pois o clima lhe ajudaria a curar. Boa parte desses pedidos foi aprovada pelas autoridades em Lisboa, e muitas pessoas conseguiram viajar ao Brasil a fim de encontrar tratamentos médicos. Entretanto, também houve expressiva circulação de pessoas no sentido oposto, Brasil-Angola.

Em geral, o caminho oposto era feito por médicos e cirurgiões, contratados para atuar em Luanda por períodos pré-determinados. O caso mais notável foi, já no final do século, com a contratação do médico José Pinto de Azeredo, famoso por ter escrito uma série de textos sobre doenças locais e métodos de cura (Walker et all, 2016Walker, Timothy; Cardoso, Adelino; Oliveira, António Braz de (2016), (Editors), Essays on Some Maladies of Angola (1799)/José Pinto de Azeredo, Dartmouth, Massachusetts, Tagus Press at UMass Dartmouth.). Entretanto, este fluxo existiu ao longo de todo o século XVIII, como demonstra o pedido analisado pelo Conselho Ultramarino, no início do século, feito pelo médico baiano formado na Universidade de Coimbra (1703)14PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/G/001738 - Arquivo da Universidade de Coimbra. - Manuel de Andrada e Góis, para ir “servir como médico em Angola” (1703)15AHU_CU_001, Cx. 18, D. 1944.. São muitos os requerimentos que demonstram esta conexão entre ambos os pontos do Império.

O comércio de seres humanos, estabelecido a partir dos portos em Angola, criou uma estreita conexão entre Brasil e África (Ferreira, 2012Ferreira, Roquinaldo (2012), Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade, New York, Cambridge University Press.; Miller, 1988Miller, Joseph C. (1988), Way of death: merchant capitalism and the Angolan slave trade, 1730-1830, Madison, WI, University of Wisconsin Press.) também do ponto de vista da saúde e da medicina. Parte deste fluxo de pessoas indo e vindo para curar ou ser curado, foi definido pelo próprio tráfico negreiro que estreitou a ligação entre África e o Brasil, em detrimento da conexão entre África e a Corte em Lisboa, promovendo a circulação de medicamentos, médicos e doentes. Os recursos do Estado, mais concentrados no Brasil, a colônia que, para o período, era a mais importante do ponto de vista estratégico, econômico e político (Boxer, 2002), promoveu um fluxo de profissionais da área da saúde partindo dali para a África. Esta circulação foi intensa ao longo de todo o século XVIII, impulsionada pela facilidade de acesso aos portos de ambos os pontos do Império a partir do tráfico de escravizados (Ferreira, 2012Ferreira, Roquinaldo (2012), Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade, New York, Cambridge University Press.; Miller, 1988Miller, Joseph C. (1988), Way of death: merchant capitalism and the Angolan slave trade, 1730-1830, Madison, WI, University of Wisconsin Press.). A partir da conexão entre estes dois mundos, houve expressiva circulação de plantas medicinais e conhecimento sobre práticas medicas, além da transplantação de espécies nativas de ambos os locais para outros pontos do Império (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Breen, 2015Breen, Benjamin (2015), Tropical Transplantations: Drugs, Nature, and Globalization in the Portuguese and British Empires, 1640-1755, Tese (Doutorado), The University of Texas at Austin.).

Nos textos produzidos ao longo do século sobre a prática médica em Angola, é possível perceber esta conexão entre Brasil e África, não apenas na preocupação com a saúde dos escravos que estavam aguardando pelo transporte até o nordeste brasileiro, mas também na própria preparação de medicamentos que continham, muitas vezes, elementos de ambos os territórios.

MATÉRIA MÉDICA ANGOLANA, TEXTOS EUROPEUS

 

Nos domínios da Coroa Portuguesa, durante o século XVIII, não apenas do fomento promovido pela Coroa e dos indivíduos com formação acadêmica viveu a investigação da natureza e o pensamento crítico. Não foram poucos os indivíduos que, mesmo sem uma formação acadêmica específica, produziram trabalhos sobre a natureza das colônias. Parte considerável dos estudos sobre as potencialidades naturais das colônias produzidos ao longo do século XVIII foram escritos por advogados, militares (possuíam formação em Engenharia e História Natural), clérigos (detinham algum conhecimento específico em História Natural), pessoas ligadas aos setores administrativos, médicos, cirurgiões, boticários, que em grande medida pretendiam aumentar os conhecimentos sobre plantas medicinais e as artes de curar (Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.). Estes homens de letras - indivíduos que produziram trabalhos sobre os mais variados temas, foram tipificados por Júnia Ferreira Furtado (2012)Furtado, Júnia Ferreira (2012), Oráculos da Geografia Iluminista: Dom Luís da Cunha e Jean-Baptiste Bourguignon D`Anville na construção da cartografia do Brasil, Belo Horizonte, UFMG. - para o cenário português, e por Roger Chartier (1996)Chartier, Roger (1996), « L`Homme de Lettres », In: Vovelle, Michel (org.), L`Homme des Lumières, Paris, Éditions du Seul. - para o cenário francês. Ambos definiram os perfis desta classe de letrados como sendo diverso e conectado aos aspectos político, econômico e social do período em questão. Chartier, para a primeira metade do século XVIII, assumiu um quadro dividido em quatro grupos, formados, respetivamente por: 1. clérigos, nobres, oficiais, administradores e engenheiros; 2. advogados, médicos, boticários e professores; 3. indivíduos que dependiam exclusivamente dos financiamentos estatais; e, 4. “nobres de gosto”. Por outro lado, Júnia Ferreira Furtado, que tipificou o cenário de produtores de trabalhos para o caso português, também para a primeira metade do século, assumiu que as classes estariam divididas em três grupos: 1. Nobres de gosto; 2. Letrados; e 3. Oficiais. As composições dos cenários gerais de produtores de trabalhos, tanto para o caso de Chartier, quanto para o de Furtado, foram delineadas para os indivíduos que estavam, na primeira metade do século XVIII, conectados com os ideais do Estado de criar um circuito de agentes que pudesse compor uma República de Letras16Segundo Jose Pardo Tomás (2010): “La cultura científica de la República de las Letras se fue identificando progresivamente (al tempo que, podríamos decir, se construía a sí misma) com una serie de prácticas culturales originales o, em todo caso, renovadas com componentes típicos de la época”, p. 8., e construir conhecimento sobre os mais variados temas, fazendo com que este conhecimento circulasse (Conceição, 2019, p. 57-55Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.).

No caso do Império português, esta configuração tipológica de produtores de conhecimento pode ser observada em todos os espaços coloniais. Da Ásia, Brasil e África, os homens que produziram conhecimento sobre medicina, filosofia-natural, geografia, clima e as tradições culturais autóctones, formam um mesmo quadro de profissões, atuações profissionais e, de certo modo, conexões com o poder metropolitano. Neste domínio, o papel dos militares e dos médicos/cirurgiões foi especialmente relevante. A partir da rede de contatos estabelecida por estes agentes, o conhecimento produzido circulou por todo o Império - e fora dele -, fazendo parte da construção do pensamento moderno. No caso africano, estes estudos estavam diretamente relacionados com o cotidiano colonizatório, e com o comércio de seres humanos e as dificuldades que diziam respeito, principalmente, ao clima e a saúde dos escravos antes, durante e depois das viagens até o destino final (Ferreira, 2012Ferreira, Roquinaldo (2012), Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade, New York, Cambridge University Press.; Sweet, 2003Sweet, James H. (2003), Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770, The University of North Carolina Press., Abreu, 2016Abreu, Jean Luiz Neves (2016), “Doenças e climas dos trópicos no Império Português e na África (Séculos XVIII-XIX)”, Mnemonise Revista, v. 1, p. 62-77. ).

Para o caso da produção de conhecimento em Angola, dentre os trabalhos que atualmente atraem as atenções dos historiadores da História da Medicina, está a obra Ensaios sobre Algumas Enfermidades d’Angola, escrita no final do século XVIII pelo médico José Pinto de Azeredo (1764-1810). Nascido no Brasil, Azeredo estudou medicina em Edimburgo (1786-1788) e Leiden, regressando ao Brasil em 1789. No mesmo ano, foi nomeado físico-mor de Angola e, em 1790, foi para Luanda para trabalhar no Hospital Real (Abreu, 2012Abreu, Jean Luiz Neves (2012), “José Pinto de Azeredo e as Enfermidades de Angola: Saber Médico e Experiências Coloniais nas Últimas Décadas do Século XVIII”, Revista de História USP, n. 166, p. 163-183.; Walker et all, 2016Walker, Timothy; Cardoso, Adelino; Oliveira, António Braz de (2016), (Editors), Essays on Some Maladies of Angola (1799)/José Pinto de Azeredo, Dartmouth, Massachusetts, Tagus Press at UMass Dartmouth.).

Azeredo assim como muitos outros intelectuais do Antigo Regime, escrevia sobre diversos assuntos de forma por vezes diletante e, ao oferecer seus escritos a importantes nobres, clérigos ou políticos, esperava ter seu trabalho reconhecido com a correspondente melhoria de sua própria posição social. Seus escritos são especialmente importantes se considerarmos o panorama intelectual do final do século XVIII (Walker et all, 2016Walker, Timothy; Cardoso, Adelino; Oliveira, António Braz de (2016), (Editors), Essays on Some Maladies of Angola (1799)/José Pinto de Azeredo, Dartmouth, Massachusetts, Tagus Press at UMass Dartmouth.). Especialistas na vida e obra de Azeredo afirmam que seu trabalho como médico, mais principalmente, como produtor de conhecimentos médicos, tanto no Brasil quanto em Angola, foi fundamental para a medicina portuguesa, e para a história da medicina moderna (Walker, 2016, p. 3Walker, Timothy (2016), “Medical inquiry in the Enlightenment Era Portuguese Imperial World: Azeredo´s scientific publications in context”, In: Walker, Timothy; Cardoso, Adelino; Oliveira, António Braz de. (Editors). Essays on Some Maladies of Angola (1799)/José Pinto de Azeredo. Dartmouth, Massachusetts, Tagus Press at UMass Dartmouth). Por se tratar de um trabalho do final do século XVIII, é perceptível a proximidade do pensamento de Azeredo com os ideais iluministas, contribuindo para uma abordagem mais racional das doenças angolanas, suas curas e causas, mas ao mesmo tempo buscando conhecimento a partir do contato com as populações angolanas, e terapias baseadas em medicamentos locais. Azeredo conseguiu distanciar-se dos padrões místicos e religiosos que caracterizavam a prática da Medicina em Angola, ao adotar uma compreensão mais científica em que “… a arte em Ciências da medicina chama a atenção para o orgânico, psicossocial, e fatores antropológicos que implicam uma concepção da medicina como ciência natural e social” (Cardoso, 2016: 28Cardoso, Adelino (2016), “Describing and explaining: The systematic horizon of the Essays by José Pinto de Azeredo”, In: Walker, Timothy; Cardoso, Adelino; Oliveira, António Braz de. (eds.), Essays on Some Maladies of Angola (1799)/José Pinto de Azeredo, Dartmouth, Massachusetts, Tagus Press at UMass Dartmouth. ).

O trabalho de José Pinto de Azeredo não é apenas um compêndio em que o autor faz relatos sobre as doenças e seus possíveis métodos de cura. Acima de tudo, o tratado de Azeredo estabelece uma série de teses sobre as doenças mais comuns em África. José Pinto de Azeredo procurou conduzir seus leitores através de uma narrativa histórica sobre as doenças angolanas e as suas causas e tratamentos. A observação do cotidiano das populações locais relativas as artes de curar, foi notada por Azeredo, que descreveu os medicamentos feitos pelas populações locais de Angola - chamados de milongos, e salientou a maior importância dada aos milongos, em detrimento dos medicamentos produzidos pelos europeus (Azeredo, 1799; Walker et all, 2016Walker, Timothy; Cardoso, Adelino; Oliveira, António Braz de (2016), (Editors), Essays on Some Maladies of Angola (1799)/José Pinto de Azeredo, Dartmouth, Massachusetts, Tagus Press at UMass Dartmouth.). Mesmo que seu trabalho tenha sido produzido à luz dos princípios iluministas, o médico não deixou de observar e incorporar em seu trabalho o conhecimento africano.

Anterior ao de Azeredo, o trabalho do médico português Francisco Damião Cosme é também exemplo do modelo de conhecimento produzido sobre a prática médica em Angola, e das interações transculturais presentes nesses textos produzidos ao longo do século XVIII. Damião Cosme viveu em Angola e foi o Físico-Mor e médico oficial do Governador local - D. Francisco de Sousa Coutinho (1764-1772) (Pina, 1967Pina, Luis de (1967), “Tractado das queixas endemicas, e mais fataes nesta conquista / pelo dr. Francisco Damião Cosme”, Sepatara de STVDIA, abril/dez.). Em seu “Tractado das queixas endemicas, e mais fataes nesta Conquista” (1770)17BPMP (Biblioteca Pública Municipal do Porto), 2ª Série África - COD. 1355., ele procurou abordar as doenças angolanas, suas causas e tratamentos, através de sua experiência como médico, mas foi um crítico ativo em relação à utilização de medicamentos e conhecimentos locais para a prática médica. Sua obra é uma importante fonte para compreender a questão da saúde dos escravizados que estavam à espera do embarque para o Brasil, e também no tratamento destes ao longo da viagem (Ferreira, 2012Ferreira, Roquinaldo (2012), Cross-Cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade, New York, Cambridge University Press.; Miller, 1988Miller, Joseph C. (1988), Way of death: merchant capitalism and the Angolan slave trade, 1730-1830, Madison, WI, University of Wisconsin Press.). Damião Cosme fez relatos sobre a falta de cuidados com os cativos, os maus tratos, a péssima alimentação, a falta de higiene e de cuidados básicos de saúde, que favoreciam para a proliferação de doenças que matavam muitos dos escravos antes mesmo de embarcarem rumo à América portuguesa (Kananoja, 2015Kananoja, Kalle (2015), “Bioprospecting and European Uses of African Natural Medicine in Early Modern Angola”, Portuguese Studies Review, 23 (2)., 2019Kananoja, Kalle (2019), “Melancholy, Race and Slavery in the Early Modern Southern Atlantic World”. In: Laine-Frigren, Tuomas; Eilola, Jari; Hokkanen, Markku (eds.), Encountering Crises of the Mind: Madness, Culture and Society, 1200s-1900s. Leiden/Boston, Brill., 2021Kananoja, Kalle (2021), Healing Knowledge in Atlantic Africa: Medical Encounters, 1500-1850, Cambridge, Cambridge University Press.).

Outro ponto levantando por Francisco Damião Cosme em seu Tractado está relacionado com as constantes queixas dos médicos e boticários, e também da população, em relação ao que se denominava como insalubridade do clima africano. Para a maior parte dos profissionais da saúde, os desafios impostos pelo clima em Angola eram obstáculos de difícil transposição e que mereciam total atenção por aqueles que pretendessem conhecer as causas das doenças e as práticas de cura (Breen, 2015Breen, Benjamin (2015), Tropical Transplantations: Drugs, Nature, and Globalization in the Portuguese and British Empires, 1640-1755, Tese (Doutorado), The University of Texas at Austin. e 2019Breen, Benjamin (2019), “The Flip Side of the Pharmacopoeia: Sub-Saharan African Medicines and Poisons in the Atlantic World”. In: Crawford, Matthew James and Gabriel, Joseph M. (eds.), Drugs on the Page: Pharmacopoeias and Healing Knowledge in the Early Modern Atlantic World, University of Pitsburgh Press. ; Kananoja, 2015Kananoja, Kalle (2015), “Bioprospecting and European Uses of African Natural Medicine in Early Modern Angola”, Portuguese Studies Review, 23 (2)., 2019Kananoja, Kalle (2019), “Melancholy, Race and Slavery in the Early Modern Southern Atlantic World”. In: Laine-Frigren, Tuomas; Eilola, Jari; Hokkanen, Markku (eds.), Encountering Crises of the Mind: Madness, Culture and Society, 1200s-1900s. Leiden/Boston, Brill., 2021Kananoja, Kalle (2021), Healing Knowledge in Atlantic Africa: Medical Encounters, 1500-1850, Cambridge, Cambridge University Press.; Abreu, 2016Abreu, Jean Luiz Neves (2016), “Doenças e climas dos trópicos no Império Português e na África (Séculos XVIII-XIX)”, Mnemonise Revista, v. 1, p. 62-77. ). Neste sentido, muitas doenças tinham sua origem e sua possível cura, diretamente relacionadas ao clima - quente e úmido.

No Tractado de Damião Cosme, é também questão fundamental à estreita conexão entre medicina e religiosidade. Saúde e culturas religiosas eram uníssonos da prática médica em Angola. Para James Sweet, que estudou o caso particular do escravizado Domingos Alvares que atuou como curandeiro em África, Brasil e Portugal (2011), as questões religiosas eram parte fundamental das artes de curar pelas populações autóctones. Mesmo quando transferidos para outras regiões e entrando em contato com culturas médicas diversas, os africanos continuavam a incorporar a mística religiosa na prática médica diária (Sweet, 2011Sweet, James H. (2011), Domingos Álvares, African Healing, and the Intellectual History of the Atlantic World, The University of North Carolina Press.). Os europeus observaram com atenção estes aspectos das artes de curar locais, por razões práticas e também políticas. Em parte, porque, as ordens missionárias, temiam que as culturas místicas das populações locais ganhassem espaço, sendo obstáculo à evangelização e também o comércio de medicamentos por elas promovido. Além dessa questão, também havia aquelas de caráter científico. Ao longo do século XVIII, os médicos formados na Europa e que estavam na África a escrever sobre doenças e métodos de cura, em geral, criticavam os procedimentos baseados nos conhecimentos e práticas médicas dos autóctones, justamente por inserirem o misticismo religioso nos métodos de cura. Chamados de curandeiros pelos médicos europeus, os angolanos dificilmente encontravam lugar junto aos médicos que atuavam nos hospitais, ou mesmo nos atendimentos domiciliares (Walker, 2004Walker, Timothy (2004), “Sorcerers and Folkhealers: Africans and the Inquisition in Portugal (1680-1800)”, Revista Lusófona de Ciência das Religiões, Ano III, n.º 5/6 - 83-98.).

De maneira geral, os médicos com formação acadêmica que escreveram sobre a prática médica em Angola, deixaram expressas, em seus textos, críticas sobre as práticas de cura locais, afirmando que somente os médicos formados na Europa é que poderiam reconhecer as melhores formas de curar as doenças africanas. Entretanto, apesar de existir a tentativa de distanciamento dos conhecimentos locais, as fontes documentais podem demonstrar o contrário - havia a incorporação dos conhecimentos locais e das plantas nativas de Angola, seus usos e eficácia para tratar as doenças locais mais comuns.

Neste contexto, um texto escrito em 1731 chama a atenção - Arvore da Vida, e Thezouro Descuberto da Arvore Irmãa da que se fez a Cruz da Nossa Redempção: Para Livrar dos Maleficios do Demonio, para Vida e Saude dos Enfeitiçados ou Vexados do Mesmo Demonio, e outras muitas enfermides e muitos e Singulares Remedios para Muitos Achaques Aprovado Tudo Com Muitas Experiencias Prodigiozas18BNP (Biblioteca Nacional de Portugal), secção de manuscritos reservados, COD. 13114. . O autor, Francisco de Buytrago, foi um engenheiro-militar português que viveu e trabalhou em Angola durante 20 anos. Após 10 anos de regresso a Lisboa, Buytrago decidiu escrever o seu guia medicinal. Segundo ele, o livro seria útil para quem pretendesse saber mais sobre as doenças angolanas e as práticas de cura, bem como, sobre o conhecimento das pessoas locais sobre as artes de curar. As poucas informações disponíveis sobre a vida e trajetória profissional de Francisco de Buytrago estão em requerimentos do acervo do Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal - série Angola19AHU_CU_001, Cx. 19, D. 2027; AHU_CU_001, Cx. 20, D. 2084; AHU_CU_001, Cx. 22, D. 2238.. A partir desses requerimentos, é possível saber, por exemplo, que Buytrago conseguiu atingir bons níveis hierárquicos e sociais na sociedade angolana, especialmente no que se refere aos engenheiros-militares, uma classe importante no contexto do Império Atlântico português (Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.).

Buytrago organizou a estrutura da Árvore da Vida pensando na obra como um livro, provavelmente a ser publicado, dividindo-a em três partes: a primeira é uma discussão sobre o que seria uma árvore da vida e como o misticismo e a religiosidade estiveram presentes nos processos de cura locais; na segunda parte descreveu as potencialidades naturais de Angola a partir do viés de suas virtudes medicinais; e na terceira parte, construiu um catálogo com uma série de medicamentos, produzidos por ele, a partir de suas observações e prática diária, deixando claro em alguns momentos que o conhecimento local seria fundamental para conhecer os melhores métodos de cura e prática médica.

A Árvore da Vida é um tratado com características típicas da época. No início do século XVIII, ainda havia uma presença marcante de aspectos religiosos nos contextos médicos - doenças e misticismo, remédios e orações caminhavam lado a lado. Em Angola, isso era ainda mais evidente. Buytrago, por exemplo, se referiu à bruxaria em várias passagens de sua obra, e deixou claro que as práticas místicas estavam intrinsecamente ligadas às artes de curar locais. A prática de cura descrita por ele envolvia, por sua vez, não apenas o combate à própria doença, mas também os possíveis feitiços que poderiam ter sido lançados ao doente - em muitos momentos, padres eram chamados para ajudá-lo no processo de cura, que envolvia exorcismos: “casca de pao grossa, como a do nosso pinho; é singularíssima e milagrosa para os feitiços, ainda que estejam queimados, ou botados no mar ou de qualquer sorte que estejam feitos, as expulsa os demoniados e para outras muitas cousas” (BNP, COD. 13114, p. 6). Este processo de construção de conhecimento, baseado em encontros culturais, estava presente nas artes de curar em território africano e fazia parte do cotidiano colonizatório (Sweet, 2011Sweet, James H. (2011), Domingos Álvares, African Healing, and the Intellectual History of the Atlantic World, The University of North Carolina Press.). O envolvimento de religião e medicina, artes de curar de origem africanas e europeias, e não raramente, a presença de padres católicos na dinâmica da saúde pública, eram constantes.

As referências ao misticismo religioso ficaram restritas à primeira parte da Árvore da Vida. Nas partes II e III, Buytrago procurou destacar as virtudes dos componentes botânicos locais para a fabricação de medicamentos, descrevendo seus usos e qualidades. É nesse ponto que temos um tratado médico do século XVIII em todo o sentido de seu significado. Dando o nome de cada elemento e seus usos, Buytrago fez descrições detalhadas e acrescentou seus próprios conhecimentos a cada elemento. Descreveu detalhes do conhecimento que adquiriu através da sua prática diária de cura e das suas observações sobre os usos e resultados aplicados pelas populações locais. Ele também procurou descrever o elemento medicinal em seus detalhes, para que pudesse ser facilmente reconhecido, especificando as virtudes medicinais e a quantidade necessária para obter o melhor resultado para cada medicamento, para cada doença específica. Foi o caso dos Cocos de Hatêva: “o coco de dentro que é o que serve para os cordeais o qual é também muito duro [… ] pouca quantidade da massinha é singular cordeal para febres” (BNP, COD. 13114, p. 74).

Francisco de Buytrago procurou incorporar ao seu trabalho elementos do saber local relacionados com as práticas de cura: “Pau Guiseco [… ] encontrado no Reino de Benguela [… ] é bom para febres. O gentio veste o corpo todo com a massinha, e assim ou a limpar, ou pelo cheiro que se dá, e se o fazem pela manhã se lavam a noite ou vice e versa” (BNP, COD. 13114, p. 74). Assim, elaborou um tratado com características próprias, influenciado pelas condicionantes sociais, políticas e económicas a que esteve envolvido durante o período em que viveu em Angola. Neste período, e como foi possível observar através dos diversos requerimentos já analisados, havia falta de médicos e medicamentos em Angola. Em várias passagens de sua Árvore da Vida, Buytrago relata que também aplicava seus conhecimentos medicinais no tratamento das populações de escravizados, fossem eles domésticos, ou cativos esperando para o embarque. Foi a partir de sua prática médica diária, e do contato com médicos locais, muitos deles padres, e também com os curandeiros das regiões por onde passou, que Buytrago reuniu o conhecimento descrito na Árvore da Vida.

Neste ponto podemos falar de processos de construção de conhecimento que envolvem relações de poder, intercâmbios e negociações entre agentes europeus e comunidades locais. Estes surgem como elementos fundamentais para a compreensão do processo de construção desse conhecimento e das relações interpessoais que proporcionaram tais trocas. A partir da análise da obra de Francisco de Buytrago, podemos perceber que o local pode ser um fator de influência na produção do conhecimento, tanto no que diz respeito à transmissão, quanto ao que é observado e como ele é observado. As contribuições de elementos locais, neste caso a matéria médica angolana, na obra de Francisco de Buytrago podem ser analisadas, não só nas espécies e doenças que catalogou, mas também no próprio método de recolha, identificação e descrição. Ao incorporar conhecimentos das populações nativas e técnicas locais, a Árvore da Vida acaba assumindo um caráter próprio. Nesse caso, não é só o lugar que importa, mas todos os agentes e mecanismos associados à transmissão, observação e produção do conhecimento.

No caso dos trabalhos produzidos em território africano, é preciso entender esta produção de conhecimentos não apenas como uma simples disseminação ou transmissão de ideias, mas como interações transculturais que ocorreram em zonas de contato (Pratt, 1992Pratt, Mary Louise (1992), Imperial eyes: Studies in Travel Writing and Transculturation, London/New York, Routledge.), nas quais os conhecimentos dos europeus e das populações locais teriam se encontrado em processos transculturais, dando origem a um novo conhecimento que, entretanto, não pode ser compreendido como puramente europeu. A produção de conhecimento seria então baseada em muito mais do que as simples trocas culturais, a partir das quais as culturas dos povos dominadores eram impostas e incorporadas pelos dominados, quase sem nenhuma resistência (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.; Raj, 2013, p. 337-347Raj, Kapil (2013), “Beyond Postcolonialism… and Postpositivism: Circulation and the Global History of Science”, Isis, Vol. 104, No. 2, p. 337-347. ). Do contato entre ambas as partes, surgem “adaptações” nos vários aspectos culturais ou científicos, fazendo com que um grupo incorpore o sistema do outro, sem que isso pressuponha a eliminação de um ou outro sistema (Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.). É uma via de múltiplas direções, na qual importam os desequilíbrios nas relações de força, sem que isso signifique que a cultura dos dominadores prevaleceu, inalterada, sobre a dos dominados. No caso dos tratados médicos e dos livros sobre as artes de curar, essas interações culturais podem ser observadas de maneira clara. Quando uma droga de um local outro é incorporada ao sistema pré-existente, este, passa a se tornar um conhecimento novo, com características próprias. Nos manuais médicos produzidos a partir do contato dos europeus com as populações locais em Angola, com as doenças e artes de curar locais, é possível perceber que houve incorporação dos conhecimentos de origem angolana, assim como de outros pontos do Império.

Como era comum ao longo do período moderno, plantas medicinais nativas de diversos ambientes naturais circulavam e eram incorporadas à matéria médica, seja nos tratados, textos não oficiais e na prática diária dos médicos e boticários. Muitas vezes, espécies diferentes, mas dentro de um mesmo gênero botânico, eram comercializadas com o mesmo nome e circulavam por todo o Império (Bracht, 2020Bracht, Fabiano (2020), “Brahmins, merchants and surgeons: agents of production and circulation of medical knowledge in eighteenth-century Portuguese India”, Topoi (Rio J.) vol.21 no.44. doi: https://doi.org/10.1590/2237-101x02104405. ). Na Árvore da Vida, pode-se verificar este tipo de circulação de conhecimento, especificamente entre Brasil e Angola, através da descrição de duas plantas classificadas por Buytrago: malícia de mulher (…) e Abutua/Parreira Brava (…). Ambas são nativas do Brasil e de regiões sul americanas, e também aparecem, algumas décadas mais tarde, já no final do século XVIII, por exemplo, na “História dos reinos vegetal, animal e mineral pertencente a medicina” (1782) escrita pelo médico Francisco António de Sampaio20Nasceu em Vila Real, Portugal. Mudou-se para o Brasil possivelmente em 1748. Estabeleceu-se na Vila da Cachoeira - Capitania da Bahia, e, entre 1782 e 1789 produziu dois grandes trabalhos sobre Medicina e História Natural: História dos reinos Vegetal, Animal e Mineral do Brasil, pertencente à Medicina - Tomos I e II (Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: FBN, manuscritos, I-12,01,019 e FBN, manuscritos, I-12,01,020)., na Vila da Cachoeira na Bahia (Conceição, 2018Conceição, Gisele C. (2018). “Science and power relations: Circulation of agents and knowledge between Portugal and Brazil in the eighteenth century”. In: Polónia, Amélia; Bracht, Fabiano; Conceição, Gisele C.; Palma, Monique (Org.), Cross-cultural Exchange and the Circulation ok Knowledge in the First Global Age , 1ed., Porto, Edições Afrontamento/CITCEM, v. 1, p. 15-35.). Ambos, Buytrago e Sampaio, dão os mesmos nomes e usos às duas plantas, entretanto, é provável que Buytrago estivesse diante de uma espécie outra, contudo, com propriedades medicinais bastante similares.

Neste caso, é preciso salientar a importância das redes auto-organizadas, que serviam como circuitos extraoficiais e promoviam a conexão entre colonizadores e populações locais, potencializando os processos de circulação de conhecimento entre os diferentes espaços imperiais (Bracht, 2020Bracht, Fabiano (2020), “Brahmins, merchants and surgeons: agents of production and circulation of medical knowledge in eighteenth-century Portuguese India”, Topoi (Rio J.) vol.21 no.44. doi: https://doi.org/10.1590/2237-101x02104405. ; Conceição, 2019Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.; Antunes & Polónia, 2016Antunes, Cátia and Polónia, Amelia (2016), Beyond Empires: Global, Self-Organizing, Cross-Imperial Networks, 1500-1800, Leiden, Boston, Brill.). Buytrago era um agente extraoficial na conjuntura médica local, mas atuou como intermediário na produção e circulação de conhecimento naquele período. Além disso, o conhecimento que circulava a partir dessas redes, promovia um intenso intercâmbio, fazendo com que o conhecimento médico produzido em um território, pudesse ser incorporado em outros. Através destas redes, não circulavam apenas as plantas medicinais em si, mas o conhecimento sobre seus usos e as descrições das espécies, que, por sua vez, podiam ser aplicados na averiguação das potencialidades naturais de outros territórios. Buytrago, que também esteve por vários e dispersos períodos na Bahia21A ligação de Buytrago com o Brasil pode ser notado em requerimentos do Arquivo Histórico Ultramarino - série Bahia, que reportam a sua deslocação para Salvador, onde teve lugar como militar., teve contato com essas espécies de plantas medicinais, e incorporou-as ao conhecimento que estava sendo produzido em África, muito antes de Francisco António de Sampaio (Bahia, 1780).

Neste contexto, a importância do local, do espaço como constituinte do sistema de interações entre os agentes, passa a ter uma importância significativa. Como o processo de construção do conhecimento não é linear e tão pouco produzido a partir de um modelo único para todas as comunidades, a influência de fatores externos, como ideias, padrões, teorias vindas de outras localidades, de outros indivíduos, dotam a produção científica de características próprias do local no qual ela foi realizada (Schaffer, 2009Schaffer, Simon (2009), The Brokered World: Go-Betweens and Global Intelligence, 1770-1820, (co-editor with Lissa Roberts, Kapil Raj and James Delbourgo), Sagamore Beach, MA, Science History Publications.; Bracht, 2019Bracht, Fabiano (2019), Ao Ritmo das Monções. Medicina, Farmácia, Filosofia Natural e produção de conhecimento na Índia Portuguesa do século XVIII, Porto, CITCEM/ Edições Afrontamento.). Compreender a construção de conhecimentos médicos em Angola considerando à influência de fatores locais que são únicos de cada comunidade, é fundamental para compreendermos até que ponto as culturas médicas locais foram incorporadas nos textos produzidos pelos europeus, mesmo que estes não tenham assumido a validade deste conhecimento primário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A conexão entre Angola e o Brasil, fomentada pelo tráfico de seres humanos através da rota atlântica mais importante do período moderno, fomentou a circulação de bens e conhecimento que marcou a prática médica e o próprio conhecimento produzido sobre as potencialidades naturais de ambos os territórios. Neste sentido, é preciso compreender que em cada local, os agentes históricos estiveram envolvidos em contextos sociais, religiosos e geográficos distintos entre si, e que estes, são pragmáticos na escolha daquilo que querem apreender, e definem construir o conhecimento de acordo com uma série de fatores que acreditam fazer sentido, não apenas para si próprios, mas também para a comunidade que irá receber e validar o trabalho produzido. Neste caso, a questão da saúde dos povos escravizados que estavam a espera para serem levados ao local de seu cativeiro, tornou-se um fator fundamental na construção de conhecimentos médicos locais. Em meio a comunidades de traficantes e senhores de escravos, as preocupações com as enfermidades incapacitantes, ou mesmo a perda de vidas cativas e, consequentemente, a diminuição de seus lucros ou força de trabalho, estavam sempre na ordem do dia. Outro fator relevante na escolha pela produção de textos sobre as artes de curar subsaarianas, plantas medicinais e o próprio clima, estavam relacionadas com o cotidiano colonizatório, em que os europeus enfrentavam dificuldades de adaptação e eram recorrentemente acometidos pelas doenças tropicais, tendo que recorrer, por vezes, aos agentes locais em busca de possíveis tratamentos. A conexão entre os dois principais pontos do Império português foi fundamental para a formação da prática médica em ambos os territórios, mas, podemos perceber que em Angola a influência do conhecimento que vinha do Brasil foi relevante, principalmente na prática médica diária.

Nesse sentido, de forma relevante, boa parte dos tratados médicos produzidos sobre a prática médica em Angola, deixa transparecer, que os conhecimentos das populações locais foram incorporados e validados através da circulação de textos escritos por europeus, da prática médica diária, e do reconhecimento das potencialidades naturais de origem africana.

NOTAS

 
1

No século XVIII, o território a que comumente denominamos de Angola, compreendia, principalmente, as áreas litorâneas adjacentes à cidade de São Paulo de Luanda.

2

Foi neste período que a cátedra de História Natural da Universidade de Coimbra foi ocupada pelo médico e filósofo natural italiano Domenico Vandelli (1735-1816). A partir de 1764, quando contratado, Vandelli foi o principal idealizador de uma série de viagens pelo Reino e possessões ultramarinas, todas elas ligando o caráter científico às intenções de cunho econômico e político, tais como as de fazer um inventário dos recursos naturais que pudessem ser explorados no futuro (Conceição, 2019, p. 57-58Conceição, Gisele C. (2019), “Ciência, poder e circulação de conhecimento no século XVIII: Ribeiro Sanches e o Brasil colonial”, Topoi (Rio de Janeiro), v. 20, p. 818-841.).

3

BNP (Biblioteca Nacional de Portugal), secção dos Reservados, COD. 6941//4. Apontamentos para descobrir na América Portuguesa aquelas produções naturais que podem enriquecer a Medicina, e o Comércio, 1763.

4

AHU_CU_001

5

AHU_CU_001, Cx. 24, D. 2468.

6

AHU_CU_001, Cx. 33, D. 3141

7

AHU_CU_Angola, CX. 47, D 4297

8

AHU_CU_001, Cx. 22, D. 2238. AHU_CU_001, Cx. 24, D. 2413. AHU_CU_001, Cx. 25, D. 2513. AHU_CU_001, Cx. 30, D. 2948. AHU_CU_001, Cx. 35, D. 3335. AHU_CU_001, Cx. 38, D. 3613.

9

AHU_CU_001, Cx. 22, D. 2259.

10

AHU_CU_001, Cx. 33, D. 3136.

11

AHU_CU_001, Cx. 29, D. 2801.

12

AHU_CU_001, Cx. 24, D. 2468.

13

AHU_CU_001, Cx. 35, D. 3335.

14

PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/G/001738 - Arquivo da Universidade de Coimbra.

15

AHU_CU_001, Cx. 18, D. 1944.

16

Segundo Jose Pardo Tomás (2010)Pardo-Tomás, José (2010), El Libro Cientifico en la Republica de las Letras, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas.: “La cultura científica de la República de las Letras se fue identificando progresivamente (al tempo que, podríamos decir, se construía a sí misma) com una serie de prácticas culturales originales o, em todo caso, renovadas com componentes típicos de la época”, p. 8.

17

BPMP (Biblioteca Pública Municipal do Porto), 2ª Série África - COD. 1355.

18

BNP (Biblioteca Nacional de Portugal), secção de manuscritos reservados, COD. 13114.

19

AHU_CU_001, Cx. 19, D. 2027; AHU_CU_001, Cx. 20, D. 2084; AHU_CU_001, Cx. 22, D. 2238.

20

Nasceu em Vila Real, Portugal. Mudou-se para o Brasil possivelmente em 1748. Estabeleceu-se na Vila da Cachoeira - Capitania da Bahia, e, entre 1782 e 1789 produziu dois grandes trabalhos sobre Medicina e História Natural: História dos reinos Vegetal, Animal e Mineral do Brasil, pertencente à Medicina - Tomos I e II (Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: FBN, manuscritos, I-12,01,019 e FBN, manuscritos, I-12,01,020).

21

A ligação de Buytrago com o Brasil pode ser notado em requerimentos do Arquivo Histórico Ultramarino - série Bahia, que reportam a sua deslocação para Salvador, onde teve lugar como militar.

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